Aspectos do Folclore Brasileiro, de Mário de Andrade

O nome de Mário de Andrade é uma referência constante quando se trata da cultura e da literatura brasileiras. Polígrafo, seus romances, contos e crônicas, assim como seus ensaios no campo da música, das artes, da literatura, do folclore, analisam e interpretam questões fundamentais nas identidades que formam a nossa cultura.

Aspectos do Folclore Brasileiro (Global Editora, 240 páginas, R$ 49,90) é um livro inédito, no qual se destaca o posicionamento de Mário de Andrade sobre o negro no Brasil. Nele, apresenta-se a conferência Cinquentenário da Abolição, escrita por ocasião das comemorações que ele programou para São Paulo, em 1938, na direção do Departamento de Cultura do Município, evento não inteiramente concretizado, por motivos alheios à sua vontade.

Em 1943, Mário planejou, para a Livraria Martins Editora, a publicação de suas Obras Completas, com textos éditos e inéditos, perfazendo uma lista de dezenove títulos. Confiou a Oneyda Alvarenga, musicóloga formada por ele, a tarefa de preparar a parcela da pesquisa etnográfica, mantendo os escritos literários aos próprios cuidados. Entretanto, com a morte de Mário, em 25 de fevereiro de 1945, esse projeto, apesar do empenho de sua discípula, de seus amigos mais próximos e do editor José de Barros Martins, não pôde ser logo finalizado. Oneyda cumpriu o encargo, com rara dedicação. Mas, ao  construir o volume 13, Aspectos do folclores brasileiro, não localizou, no arquivo de Mário de Andrade, então na casa dele, “Estudos sobre o negro”, o manuscrito da conferência de 1938, previsto para o volume, cuja publicação foi postergada.

No acervo Mário de Andrade, integrado, em 1968, ao patrimônio do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB), os manuscritos do escritor foram classificados no projeto temático interdisciplinar dessa instituição, vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), desenvolvido entre 2004 e 2006, sob a coordenação de Telê Ancona Lopez. Desse projeto, ao qual se associou a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), participaram professores, doutorandos, mestrandos e pesquisadores em iniciação científica. Durante a pesquisa, a doutoranda Angela Teodoro Grillo  desvendou a charada concernente aos Aspectos do folclore brasileiro: os “Estudos sobre o negro” correspondiam ao manuscrito “Preto”, ou seja, à conferência de 1938, cujo título o autor ainda não atualizara para o volume 13 de suas Obras Completas. A edição outrora proposta tornou-se, naquele momento, incumbência de Angela, que se responsabilizou pelo estabelecimento dos três textos ou partes pertencentes a esse livro: “O folclore no Brasil”, “Estudos sobre o negro” e “Nótulas folclóricas”.

A rigorosa recensão “O folclore no Brasil”, feita em 1942 para os Estados Unidos e publicada em 1949, com a exclusão de críticas a folcloristas e do critério metodológico, mostra-se hoje fiel à versão no manuscrito do autor. Nomeada “Cinquentenário da Abolição”, a conferência de 1938 entra agora na chave “Estudos sobre o negro”, ligando-se aos artigos “A superstição da cor preta” e “Linha de cor”, colaboração de Mário na imprensa paulistana no mesmo ano de 1938 e no seguinte. Quanto à terceira parte de Aspectos do folclore brasileiro, as pequenas crônicas “Nótulas folclóricas”, captadas no manuscrito, exploram diferentes manifestações populares musicais, expressões da fala brasileira, gírias, lendas e superstições, recolhidas pelo pesquisador em sua biblioteca e em campo, seguindo o método por ele defendido em “O folclore no Brasil”.

A edição de Aspectos do folclore brasileiro vem à luz no protocolo que une o IEB-USP e a Global Editora, visando à publicação de edições fidedignas de obras de Mário de Andrade. Neste selo, as edições, que buscam compreender o projeto criativo das obras, considerando manuscritos e publicações em vida do autor, advêm de pesquisas no acervo do escritor. As edições são apresentadas pelos preparadores dos textos, em ensaios que aliam a história do título ao critério da edição; contam  com a presença de críticos convidados que atualizam a análise e a interpretação da obra, e de um dossiê de documentos. Em Aspectos do folclore brasileiro, “Uma história recuperada: o volume 13 das Obras Completas de Mário de Andrade” estudo assinado por Angela Teodoro Grillo , encontra excelente companhia nos ensaios “Mário de Andrade folclorista”, de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, professora titular de Antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e “Mário de Andrade africanista”, de Lígia Fonseca Ferreira, professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo. O dossiê de documentos oferece matéria importante sobre o Cinquentenário da Abolição da Escravatura e flagrantes dos manuscritos. A capa e o projeto gráfico do ilustrador Mauricio Negro, decalcada em aquarela do viajante Carlos Julião, compreende plenamente o “espírito” do livro.

SOBRE O AUTOR
Nascido em São Paulo, Mário de Andrade (1893-1945) foi romancista, poeta, contista, cronista, crítico de literatura e de arte, fotógrafo, musicólogo e estudioso do folclore brasileiro. Um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, lançou no mesmo ano Pauliceia desvairada, poesia, marco no modernismo brasileiro. Vasta foi a sua produção nos principais periódicos da imprensa do eixo São Paulo-Rio, bem como em jornais e revistas de outros estados. Em todos os campos nos quais atuou, Mário valorizou as manifestações artísticas e culturais no Brasil, dedicandose a buscar os elementos definidores da identidade nacional.