Numa época em que o digital, o eletrônico e a virtualidade parecem predominar na construção das mentes e orientar os olhares da sociedade, esta pequena coleção nos convida a visitar um conjunto de textos publicados em periódicos pelo intelectual brasileiro, Manuel Correia de Andrade (1922-2007). Ao escrever para o jornal, Manuel almeja participar do debate público nacional, propiciando o engajamento coletivo da sociedade, iniciando sua contribuição ainda jovem. Dentre os itens presentes no acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB / USP), o primeiro texto por ele publicado em periódico data de junho de 1944. Encontrado no fundo Caio Prado Júnior do Arquivo do IEB, o artigo saíra na Folha Paulista, com o título “Em torno da solução do problema humano no Brasil” (CPJ-CP-AND 001). O artigo encontra-se junto com a carta enviada por Manuel Correia de Andrade ao historiador Caio Prado Júnior, um registro do primeiro contato entre esses dois intérpretes do Brasil.
Devido às suas publicações frequentes em periódicos, o historiador e geógrafo – tal como se identificava nas suas colunas – passa a exercer o papel de divulgador científico. Os seus textos apresentam uma linguagem acessível, de alguém que valoriza o papel diretor das ideias, suscitando novas elucubrações e promovendo a formação política no sentido amplo. Não em forma de panfleto, mas coligindo dados, trazendo autores clássicos para o debate e colocando-os para conversar sobre os dilemas do Brasil contemporâneo.
Neste sentido, assume o intelectual uma atitude pedagógica e reformadora. E diríamos que, ao fazê-lo, produz ciência, deixando as cidadelas da universidade para ganhar novos perfis de alunado, o grande público leitor de periódicos. Assim, quem obtinha o Jornal do Comércio, tinha a oportunidade de se tornar também discente do mestre Andrade.
No espaço delimitado das suas colunas, o professor Manuel aproveitava acontecimentos históricos, algumas de suas tantas viagens pelo Brasil ou a publicação de livros sobre temáticas históricas ou contemporâneas, para tecer suas reflexões com raro poder de síntese. Sem academicismos, os conceitos vêm misturados de realidades concretas, ganhando vida, dramaticidade e possibilidade de transformação.
Isso fica evidente em várias colunas, como na intitulada “Paulo Afonso”, em que se refere às tantas vezes em que esteve na usina hidrelétrica, e da luta do rio, o “velho Chico”, “mutilado” em nome da “civilização”. Ou ao saudar a importante “revivescência dos quilombos” (título da coluna), quando divulga dois livros recentemente publicados, um do historiador Clóvis Moura, ressaltando a importância da Constituição de 1988 para a legalização da posse dos territórios quilombolas.
Tal como se percebe nos eixos temáticos dessa coleção, o professor Manuel dedica-se a “atualizar” as interpretações clássicas do Brasil, discorre sobre os movimentos sociais e políticos nas suas várias temporalidades e demonstra especial interesse pelas perspectivas geopolíticas da virada do século XX para o XXI. Merece destaque também a maneira inovadora como articula a temática do desenvolvimento a partir de uma perspectiva social e ecológica com sua lente geográfica atenta e vibrante.
Os textos escolhidos para essa coleção foram escritos entre os anos 1990 e 2000, quando Manuel já era um pensador consagrado. Possuem, portanto, a característica de reflexão-depoimento e, por vezes, de denúncia. Nestes artigos, tal como na sua obra, as temáticas interagem umas com as outras. As dimensões econômicas, sociais e políticas são abordadas, via de regra, por meio de um recorte histórico, estatístico e teórico, contextualizado conforme diferentes escalas espaciais e temporais.
Todos os documentos desta coleção digital fazem parte do acervo pessoal de Manuel Correia de Andrade no IEB/ USP, doado pela família em 2015. Reúne cerca de 70 mil itens que pertenceram ao titular, incluindo sua biblioteca e documentos pessoais – dentre os quais se encontram manuscritos e correspondência – e das instituições onde atuou, como a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB).
Com base nos dados do Projeto Manuel Correia de Andrade (PMCA), é possível constatar a diversidade temática encontrada na sua biblioteca pessoal. Política (13,6%), Economia (9,5%), História (8,8%), Geografia (8,7%), Sociologia (8,6%) e História do Brasil (8,6%) figuram entre os principais assuntos.
A essência interdisciplinar do seu conhecimento propicia a construção de textos que o aproxima dos leitores. Despertam o interesse tanto dos conhecedores do tema, assim como dos leitores eventualmente leigos, possibilitando o acesso a informações sólidas com base nas suas leituras e pesquisas.
Entendendo que Manuel Correia de Andrade contribuiu para a interpretação do Brasil e para a divulgação e popularização do conhecimento científico, essa coleção expõe um balanço de algumas das temáticas que nortearam suas preocupações no final do século XX e início do Século XXI, a partir dos textos publicados em periódicos.
A coleção encontra-se dividida em quatro eixos temáticos:
- Mosaico interpretativo do Brasil
- Movimentos políticos e sociais
- Perspectivas geopolíticas
- Desenvolvimento, sociedade e ecologia
Em que medida os problemas apontados por Manuel Correia permaneceram? Será que alguns deles se aprofundaram ou mudaram de configuração na contemporaneidade? Essa é a reflexão que queremos suscitar com essa coleção.
Alexandre de Freitas Barbosa
André Souza Martinello
Maria Rita Ivo de Melo Machado